Donald Kaufman (1930-2009). Um exemplo de coleccionador.

Se for apaixonado por brinquedos e tiver algum dinheiro de lado vem aí uma excelente oportunidade para comprar alguma raridade. Nos dias 16 e 17 de Abril, a casa de leilões Bertoia Auctions, especializada em brinquedos antigos, coloca à venda o terceiro lotes da colecção de brinquedos de Donald Kaufman.
Se já souber que é Donald Kaufman pode acabar de ler e ir deliciar-se  com o catálogo da venda no site da Bertoia. Se ainda não souber, aguente mais um pouco porque a visita lhe saberá melhor depois de perceber que está a olhar para alguns dos artigos de uma das melhores colecções de brinquedos do mundo. São 59 anos ao longo dos quais um milionário, com gosto e cultura, foi juntando milhares entre os melhores brinquedos alguma vez produzidos. Só para ter uma ideia do valor basta pensar que o primeiro lote, sempre vendido pela Bertoia em Março de 2009, contava com mais de 1.400 artigos que, somados, atingiram o valor de 4,2 milhões de dólares, valor que a própria Beroia tinha estimado em 3 milhões. O segundo leilão, seis meses mais tarde, atingiu os 3 milhões e teve brinquedos de chapa vendidos acima dos 100.000 dólares.

Donald Kaufman nasceu no dia 8 de Outubro de 1930 em Pittsfield, Massachusetts, primeiro dos três filhos de Harry e Ruth Klein Kaufman. Em 1922 o seu pai e o seu tio abriram a Kaufman Brothers, uma firma de revenda de artigos de vários géneros: guloseimas, bebidas, animais de peluche, relógios e máquinas de barbear.
Em 1940, a Kaufman Brothers recebeu, em pagamento de uma grande divida que tinha com um cliente, uma firma de revenda de brinquedos. Foi uma excelente oportunidade para diversificar o negócio sobretudo numa altura em que, com a Segunda Guerra Mundial a rebentar, o preço de produção das guloseimas estava a ficar proibitiva devido a escassez da matéria-prima importada, como era o caso do açúcar.
A partir de 1948 o negócio dos brinquedos já ultrapassava, em facturação, o alimentar obrigando os irmãos Kaufman a direccionar a totalidade dos esforços neste sector.
Em 1950, Donald juntou-se ao negócio familiar. Com a sua ajuda a firma expandiu-se e especializou-se para a venda a retalho. Em 1959, abriram a primeira loja de rua no Connecticut. Nos anos 60 a Kaufman Brothers tornar-se na KB Toys e, em 1972, começa a fornecer a maior parte dos grandes centros comerciais em todos os Estados Unidos, chegando a se tornar a segunda maior empresa de venda de brinquedos.

Vendendo brinquedos de produções descontinuadas ou brinquedos não propriamente “na moda”, uma espécie de outlet, a cadeira conseguia manter preços baixos e atrair um grande número de clientes. Deixaram definitivamente a revenda e, em 1976, já tinham aberto 65 lojas Kay-Bee Toy & Hobby, muitas das quais nos cada vez maiores e mais frequentados centros comerciais (Malls). Após várias mudanças, em 1981, com 210 lojas abertas em todo os Estados Unidos de América, a firma passou-se a chamar Kay-Bee Toy Stores.
A partir de 2004 o grupo começou a acusar, cada vez mais, a concorrência da Wall-Mart e da Toys R Us chegado, neste mesmo ano, a fechar 365 lojas. Em 2007 fecharam mais 156 e, em Fevereiro de 2009, fecharam as últimas lojas e o site de vendas online. Em 2008 David Kaufman retirou-se definitivamente da direcção da firma. A KB Toys estava, oficialmente, falida. O que sobrou, a marca, o logo e o site (kbtoys.com), foram vendidos, em Setembro de 2009, a Toys R Us por 2.1 milhões de dólares.

Foi em 1950 que Donald Kaufman comprou a primeira peça da sua colecção: um modelo em chapa de um furgão International Harvester Red Baby, comprado a um amigo por 4 dólares. A partir daí, consegui juntar praticamente todas as versões de todos os brinquedos de carro existentes no planeta. O seu poder económico juntamente com a sua cultura e paixão em matéria, lhe permitiram participar nos melhores leilões de brinquedos, como foi o caso, em 1998, da venda de algumas peças do Perelman Antique Toy Museum em Filadélfia onde comprou um carrinho por 30.000 dólares (a mesma peça que foi vendida, no leilão de Março de 2009, por 97.750 dólares).
Conta a história que quando Kaufman estava interessado em algum artigo especial, antes de ir para o leilão  alugava um furgão que estacionava em frente à porta para intimidar os outros potenciais compradores.
Mantinha a sua colecção, todas peças em perfeitas condições, num anexo de quatro andares sem janelas junto da sua casa no oeste do Massachusetts. Estavam lá guardadas cerca de 10.000 peças, “não há réplicas, só variações”, comentava o próprio Kaufman, em voz baixa, aos poucos sortudos (menos de 25 segundo ele) que conseguiram visitar o que ele próprio chamava “o museu”.

David Kaufman morre em 12 de Outubro de 2009, de enfarte. Assim relatam as notícias da altura.
Após a sua morte a mulher comentou: “He didn’t just see a toy, he would look at that toy and think about the history. He thought about what it was made of, the design, the people who sat there and made it. He would hold it and say, «If only it could talk...»”

Apesar de ser muito provavelmente verdade que morreu subitamente em 2009, gosto pensar que as coisas não correram propriamente assim: já alguns anos antes Kaufman tinha percebido, quase sentido, que se aproximava o fim da suas vida. Talvez uma doença incurável ou alguns daqueles sinais que não deixam dúvidas. Não há notícia de filhos que pudessem herdar a paixão e a colecção do pai (talvez as três filhas não estivessem interessadas nela), por isso o fruto de uma vida iria acabar ninguém sabe como. Assustado com o futuro dos mais de 10.000 brinquedos da colecção Kaufamn tomou a decisão mais sabia e generosa que um coleccionador possa tomar: vender, vender tudo. Organizou atempadamente uma série de leilões com  Jeanne Bertoia, dona da Bertoia Auctions e, antes de morrer, chegou a assistir à venda dos dois primeiros lotes. A quem o interrogasse acerca das razões respondeu: “os brinquedos não são meus, eu estava somente a tomar conta deles (...) agora vou devolve-los aos coleccionadores para que alguém continue a cuidar deles”.

Fontes: New york times. Bertoia Auctions.

1 comment:

  1. Este texto chega a ser comovente. Consegues deixar-nos a imaginar o sentimento que Kaufman tinha pelos seus brinquedos e a humildade com que os deixou a outros coleccionadores. Que grande blog este.

    Jorge Garcia Pereira

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