É menino ou menina?

“Até gostava de ter tido um rapaz, sabes como é... para brincar com carrinhos e coisas destas... coisas de meninos.”
Mas será mesmo assim? Será assim tão certo que as raparigas, só por questões de código genético, não podem aprender a conduzir em condições, a jogar futebol ou a passar uma tarde de domingo num torneio de PlayStation? Ou que os rapazes não podem aprender a cozinhar, a mudar uma fralda ao Nenuco ou a decorar a casa com o mesmo gosto de Martha Stewart?

Um artigo no último número da revista Mind da Scientific American (3/2010) defende uma coisa completamente diferente: o cérebro das crianças não possui, logo à nascença, uma diferenciação tão acentuada entre os sexos, em termos cognitivos. São os educadores que incutem, desde a mais tenra idade, os comportamentos socialmente estereotipados para cada sexo.
O estudo de John Archer, da Universidade do Lancashire, afirma que existem, de facto, algumas pequenas diferenças derivantes da carga hormonal que o filho recebeu no ventre da mãe, mas que a cultura dos educadores é, sem dúvida, quem as amplifica criando uma clivagem comportamental. Em suma, a diferenciação social entre sexo é uma questão mais ligada a uma herança cultural, e por isso considerável artificial, do que a uma real diferença biológica ou, em geral, natural.

Estes resultados são particularmente interessantes sobretudo quando é opinião corrente que as meninas são mais calmas do que os rapazes (falso: a agressividade feminina é menos tolerada do que a masculina); ou quando, em geral, se atribui ao sexo todo um conjunto de diferentes características comportamentais ou mesmo biológicas (falso: é verdade que o cérebro dos rapazes é maior e que o das raparigas acaba de crescer antes, mas nenhum destes fenómenos se encontra relacionado com a maior actividade física dos rapazes ou com a maior capacidade linguística das raparigas).

O assunto interessa-me na medida em que acredito na importância de uma educação dirigida (e claro, baseada em brinquedos escolhidos) para o crescimento intelectual do sujeito. Não acredito numa espécie de tácito acordo social que obriga cada sexo a ficar no seu lugar. Um lugar consagrado por uma tradição centenária que pouco ou nada, como vimos, tem a ver com reais diferenças comportamentais ou físicas. Este pode ser um primeiro passo para uma visão social baseada numa segregação que remete para supostas clivagens naturais. Começando assim poderemos voltar a acabar como Lombroso, médico italiano do século XIX, que defendia que pela análise de determinadas características físicas do sujeito, podia-se antever o seu futuro como delinquente. Lombroso aconselhava, então, que este tipo de sujeito fosse eliminado antes de resultar nocivo para a sociedade...

A teoria, se aceite, significa uma coisa só: a responsabilidade dos educadores vai além da força da carga genética. Ter um menino não significa necessariamente tê-lo a saltar por cima dos móveis ou a jogar a bola de chuteiras por cima do soalho da sala de um terceiro andar. Da mesma maneira não é forçosamente verdade que uma rapariga seja incapaz de construir uma escavadora com os Legos ou de conseguir o primeiro lugar em Need for Speed Nitro da PlayStation III.

Em suma, esta linha teórica questiona os limites, as fronteiras entre sexos e, além disso, a importância da educação. A sociedade já mudou muito, as diferenças entre homens e mulheres são muito menores do que eram há só dez ou vinte anos atrás. Muitos educadores ainda não se deram conta destas alterações e continuam, com prejuízo dos próprios filhos e de todos nós, a criar indivíduos formatados para uma sociedade que já não existe. E pensar que, já em 1985, a Barbie astronauta andava pelo espaço fora e, em 1973 a Barbie cirurgiã operava o Action Man ...

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